segunda-feira, 9 de março de 2009

Para onde nos levam estes estafermos???!



A minha Pátria é a Língua Portuguesa

Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes - tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é - não - a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d'aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica.
Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

Original em "Descobrimento", revista de Cultura n.º 3, 1931, pp. 409-410, transcrito do "Livro do Desassossego", por Bernardo Soares (heterónimo de Fernando Pessoa), numa recolha de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha; ed. de Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Ática, 1982 vol. I, p. 16-17. Nota: Foi mantida a ortografia original.


Faço minhas estas apaixonadas palavras pela Língua Portuguesa.
Não que me espante o chorrilho de asneiras que impregna o software do famigerado Magalhães (muito bem detectado pelas crianças, mas não pelos assessores e secretários de Estado!!!), mas sim o facto de não ter havido lugar a revisão de texto destinado ao público-alvo que se pretende EDUCAR. Propositado?
No limite, estratégico!
Depois do facilitismo, o analfabetismo!
P.S. (11/03/2009) - À grande Pinto Monteiro!!! Ontem no Parlamento, de caneta vermelha em punho, ensinando gramática, sintaxe e pontuação a essa caterva de deputados iletrados, é de Homem! Muito Obrigada, Sr. Procurador-Geral da República!

Sem comentários:

Enviar um comentário